Enfermidade, provocada pela ingestão de peixes contaminados, volta a preocupar moradores e turistas na Bahia e Pernambuco
O médico infectologista Antônio Bandeira acompanha com atenção a escalada de casos da doença de Haff no litoral do Nordeste, com destaque para a região de Salvador, na Bahia. Há pouco mais de quatro anos, a capital baiana notificou ao menos 15 casos confirmados e até 75 casos suspeitos da enfermidade. Neste início de 2021, já teriam sido identificados ao menos 40 casos. Em Pernambuco também há registros recentes, especialmente na capital, Recife.
A doença de Haff é vulgarmente conhecida como “doença da urina preta”, por conta de um de seus principais sintomas: o escurecimento da urina provocado pela rabdomiólise. “Temos visto mais casos no Brasil desde 2016, na Bahia, com episódios documentados que ocorreram entre novembro e dezembro daquele ano. Frequentemente a doença de Haff era muito vista, e publicado em estudos, nos peixes de água doce, gerando pequenos surtos em pessoas que se alimentavam destes peixes”, explica Antônio Bandeira, que pede o fomento de mais pesquisas sobre a doença. “Sabemos que é uma síndrome causada pelo que se imagina que sejam toxinas ingeridas por peixes. É uma toxina estável ao calor. Ou seja, não adianta ferver, fritar ou cozinhar o peixe contaminado”.
Chama atenção que, na Bahia, o peixe mais frequentemente envolvido seja o olho de boi, também conhecido como arabaiana, que é de água salgada. “O indivíduo começa a ter sintomas algumas horas após a ingestão do alimento contaminado. As manifestações clínicas são principalmente dores musculares de forte intensidade, como cãibras incapacitantes, que começam na região cervical e vão no sentido caudal: ombros, braços, até as pernas. Essa dor pode ser associada a enjoo e náusea”, prossegue o médico infectologista. “Existe uma rabdomiólise importante, que vai culminar na sequência no escurecimento da urina. Pode ser um escurecimento leve, que pode chegar a uma urina avermelhada ou provocar até mesmo naquela urina cor de Coca-Cola nas formas mais extremas de rabdomiólise”. Bandeira frisa que não há outros sintomas na doença de Haff, como febre, “hash” cutâneo ou diarreia.
Do ponto de vista laboratorial, Antônio Bandeira diz que chama a atenção o fato de o paciente apresentar um hemograma normal para quase todas as partes sanguíneas. “A exceção são as enzimas musculares. A CPK, creatina quinase, geralmente aumenta muito. Os valores normais são até 175 ou 190, no paciente de Haff as taxas não infrequentemente chegam a se apresentar acima de mil. Tivemos um caso acima de 120 mil de CPK”, relata o infectologista, citando que a enzima TGO também aumenta.
Sobre o exame de urina, Bandeira relata que é apontada no paciente da doença de Haff a presença de mioglobinúria, frequentemente confundida com hematúria nos chamados “exames de urina-1”. “Geralmente vamos ver uma hematúria presente no exame de urina, e, se for feito o teste da mioglobina, dará positivo”, explica o infectologista.
Do ponto de vista terapêutico, Bandeira explica que o paciente deve ter uma hidratação vigorosa, para que o pigmento da mioglobina seja eliminado.
“Não se deve dar anti-inflamatórios não-hormonais, pois eles podem precipitar insuficiência renal aguda. É indicado tratar com analgésicos comuns, potentes para dores musculares e hidratar bastante. Aqueles pacientes com disfunção renal devem ser acompanhados por nefrologista”.
Antônio Bandeira aponta que o prognóstico de recuperação do paciente é muito bom. “A grande maioria dos pacientes evolui bem. Os sintomas melhoram a partir de 24 horas, e as dores desaparecem em até 72 horas. É uma doença autolimitada, com potencial mais raro de insuficiência renal e, excepcionalmente, a morte”.