O infectologista e pediatra Marcelo Otsuka fala da necessidade de diagnósticos diferenciados entre os pacientes pediátricos
Coordenador do Comitê de Infectologia Pediátrica da SBI, o médico Marcelo Otsuka chama a atenção para a necessidade de adoção de um diagnóstico diferencial da COVID-19 entre pacientes em idade escolar. Segundo o infectologista, as manifestações clínicas da doença entre as crianças têm peculiaridades, manifestadas especialmente em sintomas gastrintestinais. Otsuka analisa também o crescimento da infecção pelo SARS-CoV-2 entre pacientes pediátricos e as prováveis causas deste fenômeno, com enfoque especial nas novas variantes do vírus.
Boletim SBI – Quais as peculiaridades da manifestação da COVID-19 em crianças, no que diz respeito ao diagnóstico da infecção?
Marcelo Otsuka – O diagnóstico das crianças infectadas pelo SARS-CoV-2 tem nos surpreendido. Se considerarmos os dados que a Organização Mundial da Saúde (OMS) e países de uma forma geral colocam como critérios para diagnóstico da doença e aplicarmos em pacientes pediátricos, de 30% a 40% acabam não sendo diagnosticados. As manifestações clínicas desta faixa etária têm peculiaridades que merecem atenção.
Boletim SBI – Essas peculiaridades exigem a adoção de diagnósticos diferenciais para pacientes pediátricos?
Marcelo Otsuka – Sim. São cuidados que temos de ter para triarmos melhor esses pacientes e o diagnóstico de COVID-19 não passar despercebido. Por exemplo, a febre aparece em metade a 60% dos casos, e as manifestações respiratórias, como tosse, em metade. Por outro lado, fenômenos gastrintestinais, como dores abdominais importantes, diarreia, náuseas e vômitos aparecem em até 30% dos pacientes. Diferente do que a gente imagina, essas manifestações gastrintestinais podem acontecer mesmo sem manifestações respiratórias associadas. Então, não é impossível estarmos frente a pacientes pediátricos com manifestações clínicas não tão características da infecção pelo coronavírus e isso eventualmente passar despercebido. É um cuidado que temos de ter, investigar se essa criança tem ou não contato com pessoas doentes, com quadros respiratórios, e triar melhor esses pacientes em relação ao coronavírus.
Boletim SBI – Como a pandemia vem se comportando atualmente em relação ao público mais jovem?
Marcelo Otsuka – De forma geral, todos os serviços têm observado aumento em casos de pacientes pediátricos. Dos serviços que temos contato, a impressão que temos é de que não são casos mais graves do que a gente observou ano passado. Mas existem, sim, em outros estados, casos de piora em crianças com relação a quadros clínicos, prolongamento de internação e manifestações mais tardias. Isso requer comprovação científica e dados mais robustos, mas parece ter mudado, sim, alguma característica do vírus em relação a pacientes pediátricos.
Boletim SBI – E quanto às novas variantes do SARS-CoV-2, elas podem ter maior capacidade de infecção entre o público pediátrico, inclusive com esses quadros mais graves?
Marcelo Otsuka – Quando a gente considera o mundo inteiro, onde há a circulação de variantes com maior capacidade de transmitir o vírus, elas podem, sim, estar implicadas em aumento de número de casos. Mas isso de forma geral, entre a população adulta e pediátrica. Ainda assim, devemos considerar que hoje indivíduos abaixo de 19 anos representam cerca de 25% da população total, e os indivíduos desta faixa etária que requerem atendimento médico para a COVID-19 giram em torno de 2,4% a 2,6% do total da doença. Ao falarmos em óbitos, esta faixa etária representa 0,6% de todos as mortes notificadas.
Boletim SBI – O retorno às aulas presenciais pode ser considerado como responsável por um aumento da infecção entre crianças e jovens?
Marcelo Otsuka – O aumento do número de casos em pacientes pediátricos segue o aumento verificado na população adulta. Até o momento, não há influência da escola no aumento de casos pediátricos. Este aumento, aliás, já estava acontecendo antes do retorno das aulas. É importante observar que a criança não é importante como disseminadora da doença, mas está em um ambiente familiar no qual pessoas adultas chegam e transmitem o vírus para ela. Elas são contaminadas pelos adultos. Não é habitual a criança transmitir a doença.