Derrubando mitos e fake news

Há mais de mil anos há relatos de formas de inoculação da varíola em pessoas sãs como forma de atenuar os sintomas ou prevenir a contaminação. As primeiras histórias são da Índia antiga. Então, a busca por “vacinas” é mais antiga do que a própria descrição da medicina enquanto ciência.

Mesmo assim, a vacinação sofre de tempos em tempos com notícias falsas, o espalhamento de mentiras maliciosas e o descrédito da população. Por que isso acontece? Há inúmeras suspeitas e bem poucos estudos sobre o fato.

A primeira vacina surgiu no século 18 a partir da observação do médico inglês Edward Jenner. Embora ele tenha partido de uma sabedoria popular, de que as pessoas que lidavam com o gado não pegavam varíola ou tinham uma versão mais branda da doença, nem sempre as crendices do povo foram tão benéficas.

As experiências de Jenner inoculando secreção de pessoas que haviam tido contato com a varíola bovina (uma versão que acometia os animais e que era mais leve) deram origem a um tratado e ao nome “vacina” (do latim vacca). Mas foram necessários séculos de estudo, e resiliência de muitos estudiosos, para que a varíola fosse considerada erradicada pela Organização Mundial da Saúde (OMS) em 1979, após ter matado mais de 300 milhões de pessoas somente no século 20.

Entre esses estudiosos que não se deixaram derrotar pelo preconceito e pelo medo, o cientista Louis Pasteur foi quem generalizou o termo “vacinação” no século 19, pesquisando injeções imunizadoras (com sucesso contra a raiva, principalmente).

No início do século 20, a população já acreditava em mitos e temia a ciência. Uma dessas demonstrações aconteceu no Brasil, com a Revolta da Vacina no Rio de Janeiro. E o fato de o problema não ser só a obrigatoriedade da vacinação contra a varíola, mas também uma série de medidas de urbanização e eliminação de focos de doença como medidas sanitárias, ajudou a unir medos e teorias conspiratórias. As medidas, lideradas por Oswaldo Cruz na época, saíram mal pela truculência usada pelos servidores públicos que as implementavam, invertendo as ações, que seriam tão boas, em formas de oprimir e controlar o povo.

Algo parecido com as pessoas hoje falando em implante de chips controladores ou alterações no DNA contidas nas vacinas!

Os boatos se tornam tão obstrutivos que uma das dez prioridades de saúde definidas pela OMS é a relutância em vacinar-se. Não se sabe ao certo o quanto as fake news afetam a meta geral dos planos de imunização de 95% de cobertura, mas é fato que elas atuam de maneira prejudicial.

Se hoje não nos lembramos do cenário epidemiológico brasileiro no início dos anos 1970, com pólio, varíola, difteria, tuberculose e outras doenças é porque, de fato, nos vacinamos. E porque o calendário nacional do Programa Nacional de Imunização (PNI) possui 26 vacinas que abrangem crianças, adolescentes e idosos, sendo um dos mais eficientes do mundo. E não porque cremos em mitos.

E essa falta de memória faz com que as comunidades “baixem a guarda”, acreditando que as doenças não voltam mais, haja visto o que ocorreu com o sarampo.

 

Bertioga e o HPV

No início da campanha de vacinação contra o HPV, um caso de 10 meninas que tiveram a perda dos movimentos nas perdas em Bertioga tomou o Brasil. Após toda a investigação dos casos clínicos e a completa dissociação entre os sintomas sentidos e a vacina, foi feita a divulgação de que se tratava da “reação de ansiedade pós-vacina”, um fato já relatado na literatura médica e que não traduzia nenhum risco para a continuidade da vacinação.

Mas o estrago já estava feito e o efeito da imprensa noticiando fez surgirem mais casos, confundindo a população. Hoje, muitos anos após o fato, a cobertura vacinal contra o HPV entre adolescentes de 14 anos é inferior a 15%.

O poder das redes sociais, onde cada um relata a sua história e isso toma proporções enormes traz um desafio, que é o de lidar com o imaginário popular. Na vacinação contra influenza, o “tomo vacina e fico gripado” tem efeitos desastrosos pela dificuldade em esclarecer à população a diferença entre gripe e resfriado, por exemplo. Nos anos de 2016 e 2017 houve queda na cobertura de crianças e grávidas – justamente duas populações onde o efeito da gripe pode ser desastroso.

Vejam, por exemplo, a notícia sobre vacina de sarampo causar autismo: essa falsa pesquisa, publicada no jornal científico Lancet há mais de 20 anos ainda causa estragos, mesmo tendo sido desmascarada como uma fraude em vários jornais, sendo até hoje reproduzida por grupos antivacina como verdades.

Não vamos acabar com as fake news e nem com o medo, mas atuar com campanhas de informação, usando todas as mesmas ferramentas que espalham as notícias falsas e com o apoio da imprensa, é o único antídoto para destruí-las.

 

Referências

  1. Agência Fiocruz de Saúde
  2. Hospital do Coração de Natal
  3. Fundação Oswaldo Cruz, Brasília
  4. Dra. Helena Sato, diretor técnica do Centro de Vigilância epidemiológica da SES-SP

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